A Fenda da Arrábida


A Fenda constitui um “geomonumento” de rara beleza natural, há muito conhecido, mas sem informação arqueológica publicada (no prelo). A verticalidade e dureza das suas paredes tem proporcionado uma verdadeira Meca para os amantes da escalada, que equiparam aquela arquitectura natural com várias vias de diferentes graus de dificuldade.

Como o próprio topónimo indica, trata-se de um acidente tectónico, que se abre ao longo de aproximadamente 700 metros na encosta sul da Serra da Arrábida, sobranceiro e paralelo à linha de praia do Portinho. Este fenómeno terá sido provavelmente causado pela orogenia que verticalizou aquela junta de estratificação, ao ponto de a abrir numa grande brecha onde se desenvolveu um submundo de maravilha e viçosa luxúria, na qual a luz se perde numa penumbra de verdes e cambiantes de terra e argila.

A acção erosiva das águas orgânicas corroeu aquele espaço num labiríntico complexo de ocos propícios à exploração humana, proporcionando, assim, uma potencial área de habitat e abrigo, com diversos recantos apelativos, também, para uma utilização ritual. Porém, a sua prospectabilidade é de manifesta dificuldade, pelo facto de a área se desenvolver como uma imensa bacia de dejecção sedimentar, culminada por uma espessa camada de manta morta em constante produção. Se, por uma lado, os sedimentos escondem por completo os presumíveis vestígios arqueológicos, por outro, selam-nos, preservando de forma exemplar a sua latente informação, a aguardar uma oportuna intervenção de sondagem. Ainda assim, foram identificados alguns fragmentos de cerâmica manual, e um grande búzio (“buzina” – Charonia lampas) depositado numa pequena cavidade aberta num caos de blocos.

Tendo em conta as singulares particularidades deste local e a sua insinuante integração na rede de povoamento loco-regional do Bronze Final, destacando-se a “umbilical” proximidade e intervisibilidade com o povoado da Serra da Cela (a escassos 500 metros), será admissível atribuir-lhe uma funcionalidade de acessório abrigo sazonal, de apoio, controlo e defesa do porto subjacente, além de eventuais atribuições rituais. Outras cronologias também devem ser tidas em conta. Recorde-se que a área do Portinho da Arrábida tem vindo a documentar uma sequência de ocupação praticamente ininterrupta, a que o sítio da Fenda não terá certamente passado despercebido.

Outros sinais de ocupação...

A Arrábida no Bronze Final - a Paisagem e o Homem
Ricardo Soares
(2012)
Dissertação de Mestrado em Arqueologia
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa